
Norma nº 4 será extinta em 2027 e acesso à internet deixa de ser serviço de valor adicionado: o que muda para provedores e consumidores
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou no dia 3 de abril uma proposta de simplificação regulatória que pode alterar de forma significativa o mercado de internet fixa no Brasil. A medida determina o fim da Norma nº 4 do Ministério das Comunicações, em vigor desde 1995, e estabelece que, a partir de 1º de janeiro de 2027, o acesso à internet não poderá mais ser oferecido como Serviço de Valor Adicionado (SVA).
A decisão foi incluída no novo Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações (RGST), que moderniza o arcabouço regulatório do setor. Com isso, a internet fixa passará a ser enquadrada exclusivamente como Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), encerrando uma longa dualidade jurídica entre os dois modelos.
Segundo o conselheiro da Anatel e relator do processo, Alexandre Freire, essa atualização atende ao atual cenário tecnológico e reduz as inseguranças jurídicas provocadas pela interpretação ambígua da legislação vigente.
“A distinção entre SVA e SCM já não reflete mais a realidade tecnológica nem o comportamento do mercado. Essa mudança traz mais segurança jurídica e fortalece a regulação”, afirmou Freire durante a reunião.
A Norma nº 4, criada em 1995, permitia que o acesso à internet fosse prestado como um serviço complementar às telecomunicações, o chamado SVA, que tem uma carga tributária menor por ser tributado via ISS (Imposto sobre Serviços), de competência municipal.
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Já o SCM, serviço que agora será obrigatório para o fornecimento de internet, é submetido ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um tributo estadual, além de estar sujeito a contribuições setoriais como Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações).
Com a mudança, operadoras regionais e pequenos provedores temem um aumento expressivo nos custos operacionais, o que pode impactar os preços cobrados ao consumidor final. Entidades do setor já manifestaram preocupação com a elevação da carga tributária e possíveis dificuldades de adaptação.
Apesar disso, Alexandre Freire reforçou que a decisão foi resultado de um processo regulatório amplo, iniciado ainda em 2017. “Foram realizadas consultas públicas, audiências, estudos técnicos e diversas discussões para garantir a melhor decisão”, ressaltou.
Freire ainda explicou que a Anatel buscou garantir uma transição suave para as empresas, estabelecendo um prazo de quase três anos até a nova regra entrar em vigor.
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, foi ainda mais incisivo ao justificar a mudança. Segundo ele, a Norma nº 4 vinha sendo usada de forma inadequada por alguns provedores, como instrumento de planejamento tributário para reduzir a carga de impostos.
“Basicamente esse serviço tem sido utilizado por alguns grupos de provedores para fins de planejamento tributário, ou seja, para pagar menos imposto, sejam os impostos de ICMS, sejam os impostos setoriais de Fust, Funttel”, declarou Baigorri.
A nova regulamentação também visa estabelecer um ambiente mais equilibrado entre os prestadores de serviço, especialmente em um mercado que já conta com mais de 15 mil empresas atuando no fornecimento de banda larga fixa.
Com a unificação do modelo de prestação via SCM, espera-se maior padronização nas exigências regulatórias e uma melhoria nos mecanismos de fiscalização, além de mais clareza para o consumidor.
Especialistas apontam que a mudança poderá, no médio prazo, atrair novos investimentos para o setor, sobretudo se houver compensações tributárias ou políticas públicas que incentivem a migração ao novo modelo.
Contudo, associações de pequenos e médios provedores ainda discutem formas de mitigar os impactos da medida. A Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações), por exemplo, já estuda alternativas legais e tributárias para garantir a sustentabilidade das empresas regionais.
Entre as preocupações, estão o risco de aumento nas mensalidades dos planos de internet e a possibilidade de redução da cobertura em áreas menos rentáveis. Regiões remotas e de difícil acesso, muitas vezes atendidas apenas por provedores locais, podem ser as mais afetadas.
Por outro lado, grandes operadoras veem com bons olhos a padronização regulatória, que poderá reduzir disputas legais e facilitar o planejamento de longo prazo.
A Anatel deixou claro que as empresas terão até o fim de 2026 para se adaptarem. A migração para o modelo exclusivo de SCM exigirá atualização cadastral, revisão contratual e, em muitos casos, adequação de licenças e obrigações setoriais.
Além da questão tributária, o novo regulamento também fortalece os mecanismos de defesa do consumidor, exigindo maior transparência na oferta de serviços e contratos, além de facilitar a atuação da agência em casos de descumprimento das normas.
O mercado de telecomunicações brasileiro passa, assim, por uma transformação que promete reduzir brechas regulatórias, aumentar a competitividade e preparar o setor para os desafios futuros, como a expansão do 5G e da internet das coisas (IoT).
O fim da Norma nº 4, embora polêmico, é considerado por muitos especialistas um passo necessário para modernizar o setor e corrigir distorções históricas que criavam desigualdades competitivas e insegurança jurídica.
A decisão também está alinhada com movimentos internacionais, onde o fornecimento de internet é reconhecido como serviço de telecomunicações, com exigências regulatórias mais robustas.
A Anatel promete manter diálogo aberto com os atores do setor durante o processo de transição, de modo a minimizar impactos e promover uma adaptação eficiente e equilibrada.
Nos próximos meses, a agência deverá publicar guias e instruções para orientar as operadoras na migração para o modelo SCM, além de organizar novos ciclos de diálogo com associações e entes federativos.
Com a eliminação da Norma nº 4 e o fortalecimento do SCM como única via de oferta de internet fixa, o Brasil dá mais um passo para consolidar um ambiente regulatório mais justo, competitivo e preparado para o futuro digital.
Ainda assim, o sucesso da mudança dependerá da articulação entre governo, empresas, municípios e estados, especialmente no tocante à harmonização tributária e à preservação da oferta em localidades mais vulneráveis.
A sociedade, por sua vez, espera que essa nova etapa traga melhorias no serviço, mais transparência e preços justos, sem comprometer o acesso à internet – que hoje é um direito fundamental e base de inúmeras atividades sociais e econômicas.