
A retaliação da China aos Estados Unidos, anunciada nesta sexta-feira (4), com a imposição de tarifas recíprocas de 34%, pode desencadear uma série de efeitos indiretos no comércio internacional. Entre os principais beneficiários dessa tensão está o Brasil, que pode sair ganhando, especialmente no agronegócio.
Para especialistas em comércio exterior, o principal reflexo dessa nova guerra comercial está na mudança das rotas comerciais globais. E o Brasil pode ocupar o espaço deixado pelos EUA em alguns mercados estratégicos.
Um dos setores mais diretamente impactados é o agronegócio. A China é o maior importador mundial de alimentos e commodities agrícolas, e os EUA estão entre os principais exportadores globais.
Com as novas tarifas, produtos americanos como soja, milho, carne bovina e suína ficam mais caros no mercado chinês, o que pode abrir portas para fornecedores alternativos — como o Brasil.
Felippe Serigati, pesquisador do FGV Agro, explica que o Brasil disputa diretamente com os EUA o mercado global de produtos agrícolas. “Neste cenário, somos beneficiados em termos de volume, não de preço”, diz.
Segundo Serigati, o aumento na demanda chinesa por produtos brasileiros pode elevar os embarques nacionais, mesmo que os preços não subam proporcionalmente.
Isso significa que, embora os produtos brasileiros não fiquem mais caros, o país poderá vender mais e ganhar espaço geopolítico no setor agrícola global.
Outro ponto importante é que a China já tem acordos comerciais sólidos com o Brasil. Isso facilita o redirecionamento da demanda chinesa.
A soja brasileira, por exemplo, é altamente competitiva e já representa uma fatia significativa das importações chinesas.
Com a saída forçada de parte da soja americana do mercado chinês, os produtores brasileiros podem aumentar suas exportações, principalmente em 2025.
Além da soja, produtos como milho, carne bovina e suína também podem registrar crescimento nas exportações para a China.
Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o país está preparado para suprir parte da demanda chinesa deslocada dos EUA.
Em nota, a CNA afirmou que “a consolidação da relação comercial com a China é estratégica, e o momento atual exige atenção e agilidade”.
O governo brasileiro também acompanha de perto os desdobramentos da retaliação chinesa. O Itamaraty avalia que há oportunidade para reforçar laços diplomáticos e econômicos com Pequim.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o Brasil está pronto para ampliar sua presença no mercado chinês, especialmente em tempos de instabilidade global.
“Estamos acompanhando com atenção e atuando para garantir que o produtor brasileiro aproveite esse momento de reconfiguração do comércio mundial”, declarou a ministra.
Economistas apontam que esse tipo de retaliação entre grandes potências tende a beneficiar países em desenvolvimento com forte vocação exportadora, como o Brasil.
O agronegócio brasileiro já representa cerca de 25% do PIB nacional e responde por mais de 40% das exportações do país.
Esse cenário pode impulsionar ainda mais o setor em 2025, fortalecendo a balança comercial brasileira e contribuindo com a geração de empregos no campo.
No entanto, especialistas alertam que o benefício pode ser limitado no tempo, já que a tensão entre China e EUA é volátil.
“Estamos diante de uma janela de oportunidade. Mas ela pode se fechar se houver acordo entre as potências”, avalia o analista André Leite, da TAG Investimentos.
Outro ponto de atenção é a capacidade logística brasileira. Portos, ferrovias e rodovias precisam acompanhar o ritmo do crescimento das exportações.
O aumento nas vendas externas também exige maior cuidado com questões sanitárias e fitossanitárias exigidas pela China.
Segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil tem intensificado os esforços para manter o padrão de qualidade exigido pelo mercado asiático.
Os frigoríficos brasileiros, por exemplo, têm buscado certificações internacionais para manter as exportações em alta.
Já os produtores de grãos estão investindo em rastreabilidade e práticas sustentáveis para atender às exigências dos compradores chineses.
O agronegócio não é o único setor que pode ser beneficiado. A indústria de base, como a siderurgia e a mineração, também pode ganhar terreno.
A guerra comercial pode desviar a demanda por minério de ferro e aço, abrindo espaço para o Brasil aumentar sua participação em mercados asiáticos.
Analistas de mercado ressaltam que, embora os EUA sejam um grande parceiro comercial do Brasil, a China é o maior comprador de produtos brasileiros.
Com a intensificação do atrito entre China e EUA, o Brasil pode se consolidar como um parceiro estratégico para ambos, mantendo relações equilibradas.
Esse equilíbrio diplomático será essencial para o Brasil tirar proveito das tensões sem se envolver diretamente nos conflitos comerciais.
A valorização das exportações também pode fortalecer o real frente ao dólar, impactando positivamente na inflação e no custo de importações.
No entanto, o impacto cambial pode ser limitado se o Banco Central adotar medidas de controle para evitar a volatilidade do câmbio.
A longo prazo, o Brasil pode aproveitar o momento para diversificar ainda mais sua pauta exportadora, reduzindo a dependência de commodities.
O fortalecimento da relação com a China também pode atrair novos investimentos para o setor agrícola e logístico no Brasil.
Empresas chinesas já têm demonstrado interesse em investir em infraestrutura, energia e transporte no país.
Com maior previsibilidade nas relações comerciais, o Brasil pode se tornar um polo estratégico de exportação para a Ásia.
Especialistas defendem que o país aproveite a janela de oportunidade para negociar acordos bilaterais mais sólidos com a China.
O agronegócio pode ser a porta de entrada para uma relação comercial mais ampla, incluindo produtos industriais e de tecnologia.
A guerra comercial entre EUA e China pode parecer uma ameaça global, mas para o Brasil, ela se transforma em oportunidade.
Cabe ao governo e ao setor produtivo brasileiro agirem com agilidade para consolidar esses ganhos potenciais.