Sem China, soja dos EUA encalha e agricultores enfrentam crise sem precedentes

Produtores pressionam por fim das tarifas e alertam para impactos permanentes da preferência chinesa pela soja brasileira

Os produtores de soja dos Estados Unidos intensificaram os apelos ao governo de Donald Trump para que suspenda imediatamente as tarifas impostas contra a China. A medida, segundo eles, é crucial para evitar um colapso financeiro no setor agrícola.

As tensões comerciais entre Washington e Pequim já duram anos, e a soja tem sido um dos principais alvos de retaliação da China às tarifas norte-americanas. Como maior consumidor mundial da commodity, o país asiático tem buscado alternativas à soja dos EUA — principalmente a brasileira.

Produtores rurais em estados como Iowa, Illinois e Minnesota relatam prejuízos crescentes. A queda na demanda chinesa, aliada à estagnação nos preços, vem comprimindo as margens e dificultando o cumprimento de financiamentos.

A Associação Americana de Produtores de Soja (ASA, na sigla em inglês) publicou uma carta aberta pedindo ao governo que “interrompa a escalada tarifária” e abra canais diretos de negociação com a China. O documento alerta para “um risco iminente de falências em massa”.

A China, que costumava importar até um terço da soja americana, tem redirecionado suas compras para o Brasil. O país sul-americano aproveitou a brecha e aumentou sua produção para atender à nova demanda.

Para os agricultores dos EUA, a guinada chinesa representa mais do que uma perda momentânea de receita. Há um temor generalizado de que a China esteja reconfigurando suas cadeias de suprimentos de forma permanente, eliminando a dependência de commodities norte-americanas.

O presidente da ASA, John Heisdorffer, afirmou que a situação é “insustentável”. “Estamos ficando sem opções. Nossos silos estão cheios, os preços estão caindo e a China não está mais no mercado para nós”, disse.

A tensão também afeta as eleições presidenciais, já que muitos agricultores formam a base eleitoral do Partido Republicano. A frustração com as tarifas pode ter impacto direto na reeleição de Trump, segundo analistas políticos.

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Economistas alertam que o setor agrícola dos EUA é altamente dependente das exportações. Sem a China, os estoques aumentam, os preços desabam e as receitas diminuem drasticamente.

“A soja brasileira está ocupando o espaço que era nosso”, declarou o produtor Alan Kuehl, de Nebraska. “E não estamos vendo nenhuma ação efetiva do governo para recuperar esse mercado.”

A posição brasileira foi fortalecida com acordos diretos com importadores chineses, linhas de crédito facilitadas e investimentos em infraestrutura de escoamento, como portos e ferrovias.

Especialistas do setor afirmam que, mesmo que as tarifas sejam retiradas hoje, a reconquista do mercado chinês levará anos, ou talvez nem ocorra, diante dos novos laços entre Brasil e China.

Enquanto isso, nos EUA, milhares de agricultores vivem uma realidade angustiante. Muitos estão vendendo maquinário, reduzindo plantio e demitindo funcionários para tentar sobreviver à crise.

Em alguns condados, bancos agrícolas relatam aumento expressivo nos pedidos de renegociação de dívidas e já estimam calotes superiores a 25% entre pequenos produtores.

A guerra comercial, iniciada por Trump como forma de pressionar Pequim a mudar práticas comerciais consideradas desleais, acabou afetando diretamente setores que antes eram considerados aliados do governo republicano.

“O tiro saiu pela culatra”, disse um assessor de comércio internacional que preferiu não se identificar. “A China não cedeu, e os nossos produtores estão pagando a conta.”

O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) reconheceu as dificuldades, mas reafirmou que apoia a estratégia do governo. “Estamos monitorando a situação e oferecendo apoio emergencial aos produtores afetados”, afirmou o órgão em nota.

Programas de subsídio e compensação financeira foram criados para minimizar os danos, mas muitos agricultores dizem que os repasses são insuficientes.

“Esses auxílios não cobrem nem metade das perdas que tivemos”, comentou uma produtora de Dakota do Norte. “Queremos o mercado de volta, não caridade.”

A situação também começa a preocupar o setor financeiro. Grandes bancos alertam que a persistência da crise no campo pode contaminar outras áreas da economia.

“A agricultura é uma base da economia americana. Se ela quebra, o impacto é profundo e duradouro”, disse uma analista do JPMorgan.

A paralisação das exportações para a China também afeta a indústria de transporte, armazenagem e processamento, criando um efeito dominó em várias cadeias produtivas.

A perda do mercado chinês levou ainda à queda nos preços internacionais da soja, o que prejudica exportadores dos EUA mesmo em negociações com outros países.

O Brasil, por outro lado, vem colhendo frutos da crise entre os dois gigantes. A produção brasileira deve bater recordes neste ano, com expectativa de novos investimentos vindos da Ásia.

Alguns analistas afirmam que o Brasil se consolidou como o fornecedor preferencial da China e que essa vantagem pode ser mantida mesmo com a normalização das relações EUA-China.

Enquanto isso, Trump resiste em dar sinais de recuo. Em declarações recentes, ele afirmou que “os sacrifícios de hoje trarão ganhos futuros”.

Mas para os agricultores americanos, esses “ganhos” podem chegar tarde demais. “Se o governo continuar nesse caminho, não restará ninguém para colher esses frutos lá na frente”, afirmou um produtor do Kansas.

Os líderes da ASA prometem pressionar o Congresso e a Casa Branca. Uma delegação está organizando visitas a Washington nas próximas semanas para levar a mensagem dos produtores diretamente aos representantes eleitos.

A entidade também estuda medidas judiciais para contestar as tarifas sob o argumento de que elas violam os princípios constitucionais de proteção à atividade econômica.

Enquanto isso, os silos continuam cheios, os preços seguem baixos e o futuro da soja americana está cada vez mais incerto. A esperança agora é por diálogo — e rápido.

A ASA encerra sua carta com um alerta: “Estamos diante de uma tempestade perfeita. Se nada for feito, o campo americano será dizimado por decisões políticas que ignoraram a realidade dos produtores.”

E, como dizem os próprios agricultores, o tempo está se esgotando.

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