
Nos últimos anos, o Brasil tem presenciado uma inversão na tendência de crescimento salarial. Dados recentes apontam que trabalhadores sem qualificação tiveram um aumento proporcionalmente maior em seus rendimentos do que aqueles com ensino superior ou especializações técnicas. Essa dinâmica levanta preocupações sobre o incentivo à qualificação profissional e suas consequências para a economia do país.
Segundo especialistas, um dos principais fatores para esse fenômeno está na escassez de mão de obra em setores que não exigem formação acadêmica. Com a alta demanda por serviços operacionais, a remuneração desses profissionais tem subido acima da inflação, enquanto trabalhadores com ensino superior veem seus salários estagnados ou até mesmo reduzidos.
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), a renda média dos trabalhadores sem qualificação cresceu 8% nos últimos dois anos, enquanto a dos profissionais com ensino superior teve uma valorização de apenas 3,5% no mesmo período. Esse cenário é atribuído, em parte, ao aumento do salário mínimo e ao fortalecimento de categorias como construção civil e serviços gerais.
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A desvalorização dos salários de trabalhadores escolarizados preocupa economistas, que alertam para um possível desincentivo à busca por educação formal. “Se a sociedade perceber que estudar não garante uma melhor remuneração, podemos ver uma queda no interesse pela qualificação profissional, o que compromete a produtividade e a inovação do país”, afirma o economista Ricardo Menezes, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Para muitos jovens que ingressam no mercado de trabalho, essa realidade já começa a influenciar suas escolhas. “Antes, eu pensava em fazer uma faculdade, mas vejo muitos conhecidos que terminaram os estudos ganhando menos do que eu, que trabalho como entregador”, diz Mateus Almeida, de 22 anos, que atua no setor de transporte por aplicativo.
A estagnação salarial de profissionais qualificados também reflete a dificuldade do Brasil em gerar empregos de alto valor agregado. Setores como tecnologia, engenharia e saúde demandam profissionais altamente capacitados, mas muitas empresas enfrentam desafios para pagar salários compatíveis com as exigências do mercado global.
Outro ponto de destaque é o impacto da reforma trabalhista e das novas formas de contrato, que flexibilizaram as relações de trabalho e, em muitos casos, reduziram os ganhos de profissionais qualificados. A informalidade tem crescido, e a busca por alternativas de renda faz com que trabalhadores altamente escolarizados aceitem posições com remuneração inferior à esperada.
“A valorização da mão de obra sem qualificação pode ser positiva para a redução da desigualdade, mas precisa vir acompanhada de um crescimento proporcional dos rendimentos dos profissionais mais qualificados”, explica a economista Mariana Ferreira, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Caso contrário, corremos o risco de desestimular o desenvolvimento educacional e prejudicar a competitividade do país a longo prazo.”
No setor industrial, essa tendência já preocupa empresários, que relatam dificuldades para reter talentos qualificados. “Hoje, um técnico altamente especializado ganha pouco mais do que um operador sem formação. Isso está gerando uma migração de profissionais para outros países ou para carreiras autônomas”, diz Carlos Andrade, diretor de uma multinacional do setor automotivo.
A valorização da mão de obra menos qualificada também pode estar atrelada ao crescimento do consumo e da economia informal. “Muitos setores, como comércio ambulante e serviços de entrega, cresceram exponencialmente e oferecem rendimentos competitivos para trabalhadores sem exigência de escolaridade”, destaca a consultora de mercado de trabalho, Beatriz Souza.
Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) reforçam essa realidade. Nos últimos anos, setores como construção civil, transporte e serviços domésticos registraram aumento no número de contratações e reajustes salariais acima da média do mercado.
Entretanto, o fenômeno também expõe desafios para a política econômica do país. “Precisamos garantir que o crescimento da renda seja sustentável e não gere desmotivação para aqueles que investem tempo e dinheiro em qualificação profissional”, ressalta o economista Eduardo Lima.
A queda na procura por cursos superiores e técnicos já pode ser observada. Dados do Ministério da Educação apontam que o número de ingressantes no ensino superior caiu 5% no último ano, especialmente em cursos tradicionais como administração, engenharia e direito.
Especialistas defendem a necessidade de políticas públicas que estimulem o crescimento salarial de profissionais qualificados. “Incentivos fiscais para empresas que contratam mão de obra especializada, ampliação do acesso ao ensino técnico e investimento em inovação são medidas essenciais para reverter esse cenário”, afirma Mariana Ferreira.
Além disso, há um movimento crescente de profissionais qualificados buscando oportunidades no exterior, onde os salários costumam ser mais atrativos. “Muitos engenheiros e desenvolvedores brasileiros estão sendo recrutados para trabalhar em empresas estrangeiras, o que pode gerar um déficit de talentos no país”, alerta Ricardo Menezes.
O cenário atual exige um equilíbrio entre a valorização da mão de obra menos qualificada e a necessidade de manter um mercado atrativo para profissionais com ensino superior. “Se não ajustarmos essa balança, poderemos enfrentar um apagão de talentos no futuro, o que prejudicaria o crescimento econômico”, conclui o especialista.