Ex-presidente do Banco Central acredita que reajustar o salário mínimo apenas pela inflação traria economia ao governo e ajudaria na contenção de gastos públicos; proposta gera polêmica entre especialistas e trabalhadores
O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos, voltou a defender publicamente o congelamento do salário mínimo real por seis anos no Brasil. Em recente entrevista ao jornal O Globo, Fraga afirmou que a medida “seria espetacular para os pobres”, destacando a necessidade de um ajuste fiscal robusto no país.
Segundo ele, o congelamento não impediria o reajuste do salário mínimo pela inflação, mas limitaria os ganhos reais dos trabalhadores durante esse período. A proposta tem como base conter o avanço de gastos obrigatórios, especialmente com a folha de pagamento e a Previdência Social.
O economista explica que os custos com essas despesas já consomem cerca de 80% do orçamento federal. Para Fraga, uma política mais rígida de controle de gastos é fundamental para que o Brasil consiga investir em áreas cruciais como saúde, educação e infraestrutura.

Fraga já havia mencionado essa proposta em abril deste ano, durante um evento realizado nos Estados Unidos. Na ocasião, defendeu que o país precisa “recalibrar” seu sistema de gastos para garantir sustentabilidade fiscal de longo prazo.
Na nova entrevista, ele ressaltou que a economia projetada com o congelamento do salário mínimo real poderia chegar a 1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) ao final dos seis anos. Isso representaria uma redução significativa no ritmo de expansão dos gastos públicos.
O ex-presidente do Banco Central acredita que a medida poderia beneficiar os mais pobres ao preservar a estabilidade econômica. “Com menos pressão fiscal, o governo poderia investir mais em programas sociais bem focalizados”, afirmou.
Para Fraga, o atual modelo de valorização do salário mínimo, com aumentos reais acima da inflação, acaba pressionando o orçamento público de maneira insustentável, gerando déficits que dificultam o crescimento econômico do país.
A proposta, no entanto, tem gerado críticas entre especialistas em políticas públicas, sindicatos e lideranças políticas. Para eles, congelar o salário mínimo real pode prejudicar milhões de brasileiros que dependem desse rendimento para sobreviver.
Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), cerca de 50 milhões de pessoas têm sua renda atrelada diretamente ao salário mínimo. Isso inclui aposentados, pensionistas, trabalhadores formais e informais.
Na avaliação do órgão, impedir o aumento real do mínimo por seis anos poderia comprometer o poder de compra das famílias mais pobres, agravando a desigualdade social. “É uma proposta que transfere o peso do ajuste fiscal para quem menos tem”, criticou um dos técnicos do Dieese.
Além disso, há o temor de que a estagnação do salário mínimo afete negativamente o consumo interno, principal motor da economia brasileira nos últimos anos. Com menos dinheiro circulando, empresas podem reduzir investimentos e contratações.
Lideranças sindicais também se manifestaram contra a ideia. Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a proposta é inaceitável e demonstra insensibilidade com os desafios enfrentados pelos trabalhadores de baixa renda.
“O salário mínimo é a principal ferramenta de distribuição de renda no país. Congelar o seu valor real é congelar a esperança de milhões”, afirmou o presidente da CUT em nota oficial.
A oposição no Congresso Nacional também se posicionou contra a proposta de Fraga. Deputados e senadores de partidos progressistas já sinalizaram que tentarão impedir qualquer tentativa de mudança na política atual de valorização do mínimo.
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No entanto, o debate divide economistas. Alguns especialistas veem na proposta um caminho necessário para enfrentar o desequilíbrio fiscal. Para esse grupo, o controle das despesas obrigatórias é fundamental para evitar aumentos de impostos ou cortes em áreas essenciais.
Outros defendem uma abordagem mais equilibrada, que combine responsabilidade fiscal com preservação do poder de compra dos mais vulneráveis. Para eles, o ajuste pode ser feito por meio da revisão de renúncias fiscais e do combate à sonegação.
O governo federal, até o momento, não se pronunciou oficialmente sobre a fala de Armínio Fraga. No entanto, integrantes da equipe econômica têm reiterado o compromisso com a responsabilidade fiscal e o controle de gastos.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu compromisso com a valorização do salário mínimo, dizendo que “nenhum pobre será sacrificado para cumprir meta fiscal”.
A discussão sobre o salário mínimo está diretamente ligada à sustentabilidade do novo arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso, que estabelece limites para o crescimento das despesas públicas.
Com uma dívida pública próxima de 75% do PIB, o Brasil enfrenta o desafio de equilibrar as contas sem comprometer o crescimento e a justiça social. Nesse contexto, propostas como a de Fraga ganham espaço no debate técnico, mas enfrentam resistência popular e política.
Mesmo entre liberais, há quem defenda que o congelamento não seja a única ou melhor saída. Alternativas como a revisão de gastos ineficientes e o aumento da produtividade do setor público também são apontadas como soluções possíveis.
Armínio Fraga, que presidiu o Banco Central entre 1999 e 2003, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, tem mantido uma postura crítica em relação ao descontrole fiscal e costuma defender reformas estruturais de longo prazo.
Apesar da polêmica, sua proposta coloca novamente em pauta a urgência de discutir como o Brasil vai lidar com o crescimento das despesas obrigatórias sem penalizar os mais vulneráveis.
O debate promete se intensificar nos próximos meses, especialmente com a aproximação da discussão sobre o orçamento federal para o próximo ano e o reajuste do salário mínimo previsto para 2026.
Enquanto isso, milhões de brasileiros seguem atentos ao rumo das decisões econômicas que impactam diretamente suas vidas.